27 setembro 2007

Trabalhos do Olhar

Escrevo-te a sentir tudo isto...
e num instante de maior lucidez poderia ser o rio
as cabras escondendo o delicado tilintar dos guizos
nos sais de prata da fotografia
poderia erguer-me como o castanheiro dos contos
sussurrados junto ao fogo
e deambular trémulo com as aves
ou acompanhar a sulfurica borboleta revelando-se
na saliva dos lábios
poderia imitar aquele pastor
ou confundir-me com o sonho de cidade
que a pouco
e pouco morde a sua imobilidade.....

...habito neste país de água por engano
são-me necessárias imagens , radiografias de ossos
rostos desfocados
mãos sobre corpos impressos no papel e nos espelhos
repara.....
nada mais possuo
a não ser este recado que hoje segue manchado
de finos bagos de romã
repara....
como o coração de papel amareleceu no esquecimento
de te amar.....
Al Berto

25 setembro 2007

Envolver-me
na mais obscura solidão das searas e gemer
Amassar com os dentes uma morte íntima
Durante a sonolência balbuciante das papoulas
Prolongar a vida deste verão até ao mais próximo verão
para que os corpos tenham tempo de amadurecer

...colher em tuas coxas o sumo espesso
e no calor molhado da noite seduzir as luas
o riso dos jovens pastores desprevenidos... as bocas
do gado triturando o restolho.... as correrias inesperadas
das aves rasteiras

...e crescerei das fecundas terras ou da morte
que sufoca o cio da boca...
...subirei com a fala ao cimo do teu corpo ausente
transmitir-lhe-ei o opiáceo amor das estacões quentes.

Al Berto

24 setembro 2007

..."mas hoje, ainda longe daquele grito, sento-me na fímbria do mar. Medito no meu regresso. Possuo para sempre tudo o que perdi. E uma abelha pousa no azul do lírio, e no cardo que sobreviveu à geada. Penso em ti. Bebo, fumo, mantenho-me atento, absorto – aqui sentado, junto à janela fechada. Ouço-te ciciar amo-te pela primeira vez, e na ténue luminosidade que se recolhe ao horizonte acaba o corpo. Recolho o mel, guardo a alegria, e digo-te baixinho: Apaga as estrelas, vem dormir comigo no esplendor da noite do mundo que nos foge."...

Al Berto

21 setembro 2007

20 setembro 2007

"...Autoridade vem de um verbo latim que significa "ajudar a crescer". Autoridade é bondade..."

19 setembro 2007

"À l'aurore, armés d'une ardente patience, nous entrerons aux splendides villes"
Rimbaud

18 setembro 2007

Falta-me tempo para celebrar o teu corpo. Celebrar parte por parte, a mais ínfima parte... louvá-lo. Pegar-te pela palma da minha mão, mergulhar e deixar o meu corpo entrar nessa celebração. Para que o mais que me é dado sentir tenha a maior manifestação nesta entrega. Olha os olhares e as ternuras preguiçosas. Que arrastam os corpos e os ondeiam de serenidade. Consegues vê-los?... É a forma maior da minha transcendência.

17 setembro 2007

..."O que vamos servir? ... Mário ... só atinou a aperfeiçoar o seu silêncio. Então, Beatriz dirigiu o imperativo olhar para o seu acompanhante e emitiu com uma voz modulada por essa língua que fulgurava entre os abundantes dentes, uma pergunta que noutras circunstâncias Neruda considerava rotineira:
- E a si, o que vamos servir?
- O mesmo que ele."...

in O Carteiro de Pablo Neruda
..."- ... os ectcéteras! Pensa que o mundo inteiro é uma metáfora de qualquer coisa?"...

in O Carteiro de Pablo Neruda

15 setembro 2007

"Entaramela-se-me a língua no acto de dizer mas não na inteligência e o sentir no acto de sentir e entender. Mundo virgem no infinito mistério e a realidade de si no instante de se criar, de existir, de aparecer. Oh, não te distraias. E economiza átomo a átomo, filamento a filamento a virgindade de toda a revelação. Para que a tua vida se esgote no esgotá-la. Para que nada fique do que ainda te pertence quando não te pertencer. Para que sobre a terra haja um homem que és tu que nada tenha desperdiçado do que veio ter consigo. Para que todo o mistério da vida se aproveite no teu aproveitá-lo. Para que toda a magnitude do que existe não tenha sido em vão. E tudo possa morrer contigo e não fique de ti na sua inutilidade."

in "Para Sempre"
Vergílio Ferreira

14 setembro 2007

Estamos condenados ao esquecimento.

13 setembro 2007

"Podemos olhar a fé como algo em relação ao qual racionalmente nos sentimos superiores, mas ao mesmo tempo não podemos deixar de sentir que há naquela certeza tão absoluta, naquela confiança tão desmedida nas palavras, algo que nos suscita alguma inveja"

"Mas o mais que me foi dado sentir, ou pensar, ou desejar, foi o excesso de algo que no sensível não é apenas sensível"
Eduardo Prado Coelho
"Tenho para mim que a mulher faz o amor, na força do seu espírito, na pujança da sua ternura e do seu dom, na intuição da verdade e do amor, na pertinácia com que o procura e se lhe entrega, na fecundidade que nela se torna vida; é no seu regaço que o homem aprende a amar."

"e nessa aventura de relação amorosa, o reconhecimento do mistério do outro faz-se, antes de mais, pela ternura. O próprio dom do corpo, acolhendo o outro que se entrega, encontra na ternura o seu sentido mais sublime"
D. José Policarpo

...velhas trapaças...