28 fevereiro 2010

esta manhã foi-me dado um verso*

Esta manhã foi-me dado um verso mas antes
de o dizer direi
que sinto a melancolia que o poeta sente
antes de escrever o seu poema. Nada
mais. O verso
foi-me dado sem o pedir estava eu
a ornamentar com pétalas da minha boca
a pele de quem amo, a desviá-las
de um vale para o outro, do ventre para os seios
dos seios para o pescoço
os dedos a boca os cabelos
enquanto ouvíamos o álcool dos anjos
o Stabat Mater de Pergolesi e subitamente
lembrei-me que beijos são pequenos animais
perseguidos, conchas de som que nascem
junto dos ribeiros que vão correndo para os campos
de batalha onde foram ninhos de
cerejeiras; estava eu a despir a camisa
de quem amo e foi então que o verso
caiu, dois versos, entre o meu corpo e o corpo
dela como se eu o tivesse copiado
de um poema de Kavafis: O rio mais íntimo que posso dar-te
é o silêncio. E continuei a amá-la
silenciosamente.

Casimiro de Brito in Livro das Quedas

[...esta noite foi-me dado um verso...]

5 comentários:

JFDourado disse...

Belo verso! :)

Ana disse...

muito muito bom :) quero ler esse livro ;) beijo*

Rui disse...

curioso...
não conhecia este escritor até "esbarrar" com ele, ou melhor, com um livro dele na feira do livro nas correntes...
também lá vi esse "Livro das Quedas", pois lembro-me bem desse título, mas acabei por trazer a "Arte de Bem Morrer"... e muito, muito interessante que é o livro que trouxe comigo!

**

B. disse...

curioso... deveras curioso. adorei as capas dos livros e acabou por ser uma das razões que me levou a comprar um dos livros.
envias por correio esse?;) também me pareceu muito, muito interessante e a capa é fabulosa. ;)

;)*

Rui disse...

vou pensar no assunto...
;-)*

...velhas trapaças...