09 abril 2012

Pessoa e Caeiro :)

"Não sabia que Caeiro fosse o senhor, disse Fernando Pessoa, e fez um ligeiro cumprimento com a cabeça. Alberto Caeiro fez-lhe um gesto fatigado para entrar. Entre, caro Pessoa, convoquei-o aqui porque queria que soubesse a verdade. Entretanto a tia-avó chegou com uma bandeja com chá e bolinhos. Caeiro e Pessoa serviram-se e pegaram nas chávenas. Pessoa lembrou-se de não espetar o dedo mindinho, porque não era elegante. Ajeitou a gola do seu fatinho à marinheiro e acendeu um cigarro. O senhor é o meu mestre, disse. Caeiro suspirou, e depois sorriu. É uma longa história, disse, mas é inútil contar-lha de fio a pavio, você é inteligente e compreenderá mesmo se eu saltar algumas passagens. Saiba apenas isto, que eu sou você. Explique-se melhor, disse Pessoa. Sou a sua parte mais profunda, disse Caeiro, a sua parte mais obscura. Por isso sou o seu mestre. Um campanário, na aldeia vizinha, deu as horas. E eu, o que devo fazer?, perguntou Pessoa. Deve seguir a minha voz, disse Caeiro, ouvir-me-á na vigília e no sono, às vezes hei-de perturbá-lo, outras vezes não quererá ouvir-me. Mas terá de escutar-me, deverá ter a coragem de escutar esta voz, se quer ser um grande poeta. Fá-lo-ei, disse Pessoa, prometo-lhe. Levantou-se e despediu-se. A tipóia esperava-o à porta. Agora torna- ra-se de novo adulto e tinha-lhe crescido o bigode. Para onde quer que o leve?, perguntou o cocheiro. Leve-me para o fim do sonho, disse Pessoa, hoje é o dia triunfal da minha vida. Era o dia oito de Março, e pela janela de Pessoa entrava um sol tímido."
em "Sonhos de Sonhos", de Antonio Tabucchi

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...velhas trapaças...