"Não sabia que Caeiro fosse o senhor, disse Fernando Pessoa, e fez um
ligeiro cumprimento com a cabeça. Alberto Caeiro fez-lhe um gesto
fatigado para entrar. Entre, caro Pessoa, convoquei-o aqui porque
queria que soubesse a verdade.
Entretanto a tia-avó chegou com uma bandeja com chá e bolinhos.
Caeiro e Pessoa serviram-se e pegaram nas chávenas.
Pessoa lembrou-se de não espetar o dedo mindinho, porque não era
elegante. Ajeitou a gola do seu fatinho à marinheiro e acendeu um
cigarro. O senhor é o meu mestre, disse.
Caeiro suspirou, e depois sorriu. É uma longa história, disse, mas é
inútil contar-lha de fio a pavio, você é inteligente e compreenderá
mesmo se eu saltar algumas passagens. Saiba apenas isto, que eu sou
você.
Explique-se melhor, disse Pessoa.
Sou a sua parte mais profunda, disse Caeiro, a sua parte mais obscura.
Por isso sou o seu mestre.
Um campanário, na aldeia vizinha, deu as horas.
E eu, o que devo fazer?, perguntou Pessoa.
Deve seguir a minha voz, disse Caeiro, ouvir-me-á na vigília e no sono,
às vezes hei-de perturbá-lo, outras vezes não quererá ouvir-me. Mas
terá de escutar-me, deverá ter a coragem de escutar esta voz, se quer
ser um grande poeta.
Fá-lo-ei, disse Pessoa, prometo-lhe.
Levantou-se e despediu-se. A tipóia esperava-o à porta. Agora torna-
ra-se de novo adulto e tinha-lhe crescido o bigode. Para onde quer que
o leve?, perguntou o cocheiro. Leve-me para o fim do sonho, disse
Pessoa, hoje é o dia triunfal da minha vida.
Era o dia oito de Março, e pela janela de Pessoa entrava um sol tímido."
em "Sonhos de Sonhos", de Antonio Tabucchi
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