20 março 2008


About today - The National

18 março 2008

... e por vezes as noites duram meses ...
... e por vezes os meses oceanos ...
... e por vezes ...


... e não só a garganta mas também todos os poros me ficavam obstruídos pela inesperada evocação dos demorados jogos dos seus dedos, dos sinuosos e absortos percursos da sua boca, das inúmeras marcas derramadas que toda a sua pele tinha deixado à superfície e no interior da minha. Pela primeira vez sentia eu o corpo a gemer em segredo, a uivar, em silêncio, com exasperantes saudades de outro corpo. ...


... e por vezes fingimos que lembramos ...
... e por vezes lembramos que por vezes ...
... ah por vezes ...



David Mourão Ferreira (in um amor feliz - itálico)
... mas a vida está cheia do seu dom original e só espera de nós um pouco de atenção — ou não bem de atenção, não bem de atenção: um pouco de humildade, de uma íntima nudez. Eu o reconheço de novo, a esse dom nesta hora de chuva em que escrevo. Na rua deserta, ouço-a cair, expulsar da cidade os robots da ilusão, a grandes brados de um vento sideral. Dirás tu, meu amigo, ou alguém ao pé de ti, que são eles precisamente quem me constrói o mundo onde a «aparição» é possível, este mundo do conforto de um fogão que me aquece, de um telhado que me abriga. Também tenho a minha parte de robot e não a nego. Mas sei que há outra coisa à minha espera e que só depois dessa é que não há mais nenhuma. Tenho apenas esta vida para viver, e seria quase uma traição que eu faltasse à sua entrevista — essa entrevista combinada desde toda a eternidade. Por isso eu a procuro à minha vida, em toda a parte onde sei que ela me espera com uma palavra a dizer. Os robots da loucura é que a ignoram, porque o mundo deles é o da transacção imediata, um mundo táctil, de objectos, como o das crianças. Eu os vejo agora, passando desorientados pela rua abandonada, fugindo, espavoridos, à invasão do silêncio. De guarda-chuvas abertos, golas dos casacos erguidas, refugiam-se nas guaritas como animais acossados, aí ficam à espera de que o inimigo passe. Sim, eles conhecem a «fraternidade» e erguem-na como bandeira da sua redenção. Mas da fraternidade eles sabem apenas a fácil estratégia das palavras trocadas, dos braços que se apoiam uns nos outros contra o medo. Mas a profunda fraternidade — tu o saberás, meu amigo— não é uma cadeia de braços, mas uma comunhão do silêncio, uma comunhão do sangue. ...


Vergílio Ferreira, in Carta ao Futuro

16 março 2008


...boca dele perto da sua orelha...

...e, na incerteza...

...o esmaecer em água...

15 março 2008

... E eis-nos de novo sós, mas a solidão é muito pior do que da vez anterior, o espaço não canta de solidão, o espaço não canta seja o que for, o espaço chove, neva, venta - mas isso nada nos diz. Estamos sozinhos de uma maneira acanhada, inestética e pois que seja como for não há salvação (admitindo que escapar à solidão seja salvarmo-nos, não é de admirar que ansiemos pelo grande espaço com a sua música diabólica mas sublime, com o seu isolamento implacável mas higiénico, com a sua ausência total de vida, sem dúvida, mas ao mesmo tempo com uma ausência igualmente absoluta de toda a obrigação de buscar contactos, de toda a necessidade de sorrir quando queremos chorar, de acariciar quando queremos arranhar, de procurar amigos quando acabamos justamente de descobrir que o mundo está cheio de inimigos.

Aspiramos aos instantes de completo abandono, aos instantes de solidão brutal e sublime com toda a intensidade da sua esperança e todo o ardor dos seus olhos, partilhamos um segredo perigoso, fomos iniciados no modo de emprego de um veneno temível chamado solidão e, como morfinómanos, dividimos doravante a vida em dois períodos: a embriaguez e a recuperação. ...

in "A Ilha dos Condenados", Stig Dagerman

04 março 2008

...à mordre les mots à tordre les mots à jouir les mots... Al Berto

03 março 2008

...abjurar os signos...

...ao incidir no texto o olhar semiótico obriga a recusar o mito ao qual
geralmente se recorre para salvar a literatura da palavra gregária
que a cerca e pressiona, e que é o mito da criatividade pura:
o signo deve ser pensado - ou repensado - para melhor ser alucinado...

in a Lição de Roland Barthes

...Signos...

(pensados, repensados e muitos vezes alucinados...)
...imbuir...
...enternecimento...
...bonomia...
...serenidade...
...alba...
...garatujar...
...trapacear...
...lassidão...
...medo...

...a linguagem não pode reter-se, conter-se...
...é bom que os homens, no interior de um mesmo idioma (...)
tenham várias línguas (...) constituem, dessa forma, uma reserva que (...)
permite a liberdade de escolha segundo a verdade do desejo.
Essa liberdade é um luxo que toda a sociedade devia propor aos seus cidadãos...

in a Lição de Roland Barthes

...velhas trapaças...